Betinho foi um privilégio que a vida me deu
por Ricardo Rebouças
Texto extraído do livro Mobilização: Betinho & a cidadania dos empregados de Furnas, de 1998.
Ele soube, antes dos outros, que já vivíamos a época das propostas alternativas para o debate. Foi assim, em 1982, quando um grupo de colaboradores voluntários fez um livro sobre o futuro da Amazônia Oriental (“Carajás: O Brasil hipoteca o seu futuro”).
Diagnóstico profundo, que oferecia uma proposta exequível, democrática, capaz de usar os nossos recursos minerais e a nossa capacidade de investir, para gerar emprego e riqueza para os brasileiros.
Betinho sabia como elaborar um “outro olhar” e produzir uma “outra proposta”.
Depois, em 1983, novo desafio: a urgência do resgate das quatro dívidas: externa, interna, social e política. Ele soube organizar o pequeno grupo que transformou as ideias do Senador Teotônio Vilela e escreveu o “Projeto Emergência” – livro que propunha uma agenda política para o futuro.
Trabalho simples, linguagem direta, pauta para um momento que amadurecia; o Betinho sabia se antecipar.
Ao longo de anos, juntaria os colaboradores voluntários e a equipe do IBASE, a cada mês, para produzir as “Políticas Governamentais”. Era uma produção quase artesanal, mas deu uma “cara” para o IBASE. E era um aprendizado diferente, onde se somavam os desafios para entender o momento e o espaço para diferentes modos de pensar e para as esperanças e as frustrações.
Foi ali que Betinho nos ensinou a construir um retrato, tecer um fio condutor e desenhar uma cena que poderia se tornar um cenário. Foi ali que aprendemos a leitura do momento em que vivíamos.
Betinho sabia transformar desafios em oportunidades, na leitura do tempo em que vivíamos.
As campanhas lideradas por Betinho deram dimensão nacional a questões básicas do direito à informação e ao exercício da cidadania. Foi a “Ética na Política” que precederia a “Ação da Cidadania Contra a Fome e a miséria pela Vida” que, hoje, conseguiu o consenso do Natal sem Fome.
Neste último ano, Betinho produziu freneticamente novos projetos e iniciativas. A Agenda Social e o Balanço Social foram os últimos projetos que “descobriram” um olhar para o esporte apenas como negócio e a empresa apenas como lucro – o olhar da responsabilidade social. Colocou em pauta, mais uma vez, os problemas da exclusão social e abriu um espaço para as empresas que cumprem seu papel social.
Betinho foi, além de fazedor da mobilização convocatória, o fazedor das “ações proféticas”.
Nos últimos meses, eu sentia uma vontade desesperada de fazer o tempo parar, para ter mais tempo de conversar, de trocar ideias. Não deu. Ficou um buraco no coração e um recado: “Agora é com vocês.”
Como eu gostaria de ouvir a Maria dizer, mais uma vez, antes de eu entrar em seu quarto: “Vai lá falar com seu amigo.”